VOU CHUPAR OS GRINGO TUDO
A grande maioria dos trabalhos dessa exposição faz parte da série “Cenas para uma vida melhor”. Há cerca de dez anos, quando iniciei a série, disse que ela era um equívoco.
A ideia inicial era exibir imagens de um certo sensacionalismo, finamente trabalhadas com miçangas e lantejoulas, pensando na sede de poder e violência que todos nós guardamos em certa medida. O toque refinado do bordado chamaria a atenção (de forma disfarçada – uma vez que só vemos mesmo aquilo que queremos em qualquer imagem que seja) para nosso apego à vontade de poder. O tom agressivo do discurso/pichação (embora o fetichismo do mercado possa nem perceber) pelo qual optei acabou me levando a bordados e montagens/colagens dessa série, tais como: uma dupla de crianças vietnamitas repetindo a clássica fotografia do assassinato de um vietcong; uma saudação nazista ao símbolo da Igreja Universal; um close do personagem imbecilizado Patrick Estrela babando; uma carreira de cocaína; um prato de merda servida em meio a nuvens de um céu à laMagritte e até um Osama Bin Laden de dois metros feito com ursos de pelúcia. Esse último trabalho rendeu-me, inclusive, a alcunha de nazista.
Não é fácil, claro, assumir um tom agressivo para comentar a própria violência cotidiana. Não é simples falar de violência (moral, física, intelectual, psicológica, sensual e até sedutora) – sempre apontada como a saída pior possível para qualquer impasse da vida, embora ela talvez (em que casos? não sei dizer) às vezes se revele como a única saída.
Interessante que o homem de bem, que odeia Bin Laden e meus ursinhos, é o mesmo que diz que as manifestações de junho de 2013 são indecentes. Também as boas pessoas de bem que odeiam a violência são as primeiras a defenderem o linchamento de estupradores e ladrões. Os bons pais de família odeiam a guerra, mas desconfiam do mendigo de cor negra que está sentado ali na esquina e não toleram o pobre que “invade” o shopping, o maldito sob o peso de membro do “rolezinho destruidor”.
Eu mesma tenho a violências várias, às vezes gosto mais dos pichadores que dos grafiteiros, não sou exatamente uma pacifista (embora ame os desertores da pátria em guerra), não tenho papas na língua (a impaciência pode ser, em tantos casos, uma forma de violência) e tendo a aceitar as destruições impetradas pelos destruídos árabes terroristas (embora não suporte as dos norte-americanos). Sou incongruente e humana. Não posso senão cuspir isso de alguma forma (e que seja violenta, ainda que brilhe). Daí talvez meu equívoco. A insistência nesse erro está fazendo dez anos: mas é o único jeito de apontar nossos incompetências e imposturas. Posso apenas apontar. No mais, a ideia de “uma vida melhor” é pura ironia.
Mas na exposição há ainda outros trabalhos que são da série “À boca pequena, naturalmente”, onde fotografo coisas e pessoas que se “parecem” com obras de arte ou ícones midiáticos. Na verdade, trata-se de uma homenagem ‘kitsch’ (porque cheia do mau gosto do falso – que é bom gosto também, bastando ter olhos livres, como quer Oswald de Andrade) à vida diária, onde podemos descobrir encantos surpreendentemente tanto pobres quanto nobres.
Arremato com uma espécie de fotonovela (“Por amor à arte II”) em que brinco com as apropriações distorcidas de falas grandiosas defiguras acadêmicas (sou professora também, e, afinal, o império da citação pseudo Cult é ali mesmo, na universidade), junto a falas de personagens de desenho animado, criando mais um reino do gosto duvidoso, onde me divirto com a eterna vaidade do artista (que é a minha, claro).
Está aí o conjunto, minimamente apresentado. Vamos nos divertir (e chupar os gringo tudo).
Marta Neves